Com o furacão Crepúsculo a acalmar, Robert Pattinson é um actor que está à procura de deixar para trás a imagem de ídolo de adolescentes para se estabelecer como um homem maduro de papéis principais. Ele já se encaminhou nessa estrada da reabilitação ao juntar-se à lenda canadiana David Cronenberg, fazendo o papel principal em Cosmopolis, a adaptação para filme do conto satírico de Don DeLillo.
Pattinson está soberbo no papel de Eric Packer, um jovem bilionário arrogante, narcisista que gira em torno de uma Nova Iorque distópica à procura de um corte de cabelo, enquanto que a cidade, a sua vida e a sua fortuna se vão desmoronando. O filme é também um marco para a carreira de Cronenberg, deixando para trás os triunfos recentes como Eastern Promises e A Dangerous Method, mas mantendo todo uma perspectiva única cronenberguiana. É também um filme que se enquadra bastante nesta altura, em que a crise financeira e os protestos nas ruas ecoam o movimento Occupy Wall Street.
Nós ficámos à conversa com o David Cronenberg e com Robert Pattinson sobre o filme.
Uma das respostas de Cronenberg contém alguns spoilers do filme, mas nós chamamos a atenção quando isso acontecer.
O filme aborda a crise financeira e protestos anti-capitalistas em Nova Iorque – houve alguma influência dos movimentos Occupy Wall Street e We Are The 99% no filme?
Cronenberg: Bem, não influenciou muito o filme, porque nós seguimos o guião à risca. O que o Don DeLillo escreveu foi anterior e detém uma certa clarividência, e o mundo gira à volta das palavras dele. Por isso não alterámos nada. Mas não podíamos deixar de reparar. O Paul Giamatti, por exemplo, mandou-me uma mensagem que dizia «Mal posso acreditar, eu acabei de ver o Rupert Murdoch a levar com uma tarte na cara!» e tínhamos acabado de filmar uma cena em que o Robert leva com uma tarte na cara! Nós pensámos «isto é estranho!» Era estranho estar a filmar cenas sobre protestos anti-capitalistas nas ruas de Nova Iorque e depois ler sobre o movimento Occupy Wall Street.
Qual é que é a vossa opinião acerca do movimento Occupy e 99%?
Cronenberg: É interessante, e só comecei a pensar nisto depois de ter feito o filme, mas não existem pessoas anti-capitalistas no filme. Na verdade, como já foi dito, e acho que é a verdade, o Occupy Wall Street não é um movimento anti-capitalista. Eles só querem fazer parte da acção. Eles estão a dizer, «Nós queremos fazer parte desse 1%. Nós devíamos fazer parte do sonho capitalista.” Não é que eles sejam comunistas ou socialistas, e estejam a odiar o capitalismo, e a tentar retirar os capitalistas do poder. Eles querem ser capitalistas. Por isso o Occupy é curioso, não é aquilo que poderíamos pensar à primeira. Como o Benno [personagem de Paul Giamatti], ele ama o capitalismo, ele ama investir e a sua única queixa é que foi deixado para trás pelo Eric Packer. O Eric é muito rápido, ele está tão destruído como o Benno adora trabalhar. Ele não é anti-capitalista. Por isso não é correcto dizer que o filme é anti-capitalista. Não é.
No livro do Don DeLillo, é no Yen [moeda japonesa] que o Eric Packer investe, mas no filme é o Yuan [moeda chinesa] – porque é que mudaram?
Cronenberg: Essa foi a minha fraca tentativa, enquanto pessoa completamente ignorante em economia, de tornar o filme mais futurístico. O Yen, desde que o livro foi escrito, colapsou, e depois também houve o tsunami no Japão, e de repente o Japão começa a vacilar. Mas quando o livro foi escrito, era como o sol a nascer, todos tinham medo do Japão – o Yen ia ser a moeda mundial. Mas agora é a China. O olhar para Este estava certo, mas é a China que vai ser uma potência mundial, e lá para 2015 o Yuan vai ser uma moeda convertível e pode muito bem destronar o dólar enquanto moeda mundial. É esse o plano da China, e ninguém parece discordar. Foi isso que fiz ao mudar a moeda, mas acho que não tenha mudado o sentido.
Há uma imagem de um rato no filme, foi visto como uma metáfora, era para fazer referência ao Ano do Rato no zodíaco chinês?
Cronenberg: Eu nunca faço metáforas! [risos] É a primeira vez que ouço falar disso, nunca pensei sobre isso. E não sei o que é que o Don pensou sobre isso.
Robert, a tua personagem no filme, Eric Packer, não é uma pessoa muito agradável – ele é egoísta e niilista. Como é que foi fazer uma personagem deste tipo?
Pattinson: Eu não vejo o Eric como alguém niilista. Acho que havia alguma energia, mas acho que a energia de ser niilista é diferente. Ele não anda a fazer as coisas à toa, ele só está a ficar cada vez mais stressado. Ele acha que se está a aproximar de algo, e depois as coisas começam a desmoronar-se – ele não destrói o seu mundo conscientemente.
Em que sentido é que o Eric Packer se aproxima dos outros personagens dos filmes do David Cronenberg?
Cronenberg: Eu não costumo pensar sobre os meus outros filmes – já tinha referido isto antes. Vocês estão-me a pedir para eu analisar os meus próprios filmes, mas não o vou fazer, porque isso é o vosso trabalho! O que eu posso dizer é que não penso nos meus outros filmes quando estou a trabalhar num projecto novo. A melhor parte para mim é a meio da noite, na rua, com os meus actores, com mais ninguém ao pé. Não estamos a pensar sobre o Crepúsculo, não estamos a pensar sobre o Scanners, estamos a pensar sobre o Cosmopolis. É muito bonito por ser tão puro. Quando estou a juntar o filme eu penso sobre o valor dos actores com quem trabalhei, tenho de pensar sobre o passaporte do Robert porque é uma produção entre o Canadá e a França, tudo isso – mas isso é irrelevante em relação ao processo criativo de realizar o filme. Por isso tento ser o mais puro possível.
O objectivo real de Eric Packer era cortar o cabelo. Porque é que ele estava concentrado em algo tão trivial?
Cronenberg: O que é mais trivial é que não é assim tão trivial. Ele até programa isso. Ele diz, «Um corte de cabelo é o quê? São calendários pendurados na parede, é a cadeira do barbeiro, são os vizinhos.» É o seu passado, onde ele era puro e, de certa forma, inocente. Houve uma coisa que o Rob fez e provavelmente não reparou que fez, quando se sentou na cadeira do barbeiro e se tornou numa criança. E o velho barbeiro quase que se torna no seu pai ou no seu avô. Há um momento fantástico em que ele diz «Tu tinhas quatro anos na altura», e o Eric responde, «Cinco, tinha cinco anos,» e foi esplêndido. Até me arrepio só de pensar nisso. E o melhor é que isso tudo se transparece em todas as suas falas durante o diálogo, há uma verdadeira compreensão dessas coisas. Por isso como disse, não é nada trivial, podemos ver que esta entrada na sua infância é o motivo do corte de cabelo.
(A próxima pergunta contém alguns spoilers, por isso poderão querer passar se ainda não viram o filme)
O Eric e a sua mulher nunca chegam a fazer nada no filme – no livro eles chegam a fazer parte de uma orgia massiva em público, que não entra na adaptação para filme. Qual é que foi a razão?
Cronenberg: Bem, eu não achei que eles se tivessem sequer tocado no livro, sinceramente. E a cena no livro da orgia, centenas de pessoas nas ruas de Nova Iorque, eu pensei quando estava a ler essa parte que era uma fantasia de reconciliação do Eric, e bastante juvenil. E como o Eric tem jeitos meio infantis eu nunca pensei que fosse real. E isso no ecrã serviria apenas para gozo, nunca acreditaríamos que isso pudesse mesmo acontecer. Por isso pensei, não, ele desliga-se da sua mulher, e nunca chega a tocar-lhe, e nunca vão fazer sexo. Acabou, e isso é uma das coisas que o leva a destruir-se. Existem várias partes – a morte do irmão Fez, o acabar do casamento, o assassínio do Torval, são estes momentos que o levam para o fim, que é como se fosse um suicídio. Ele volta para a sua infância, e mais além, antes do seu nascimento, neste caso, a morte.
(Acabaram os spoilers)
As pessoas não estão à espera de ver o Robert Pattinson num filme como este – o que é que achas que os fãs do Crepúsculo que vieram para ver o Robert vão dizer deste filme?
Pattinson: Não sei. Quer dizer, eu espero que venham ver! [risos] Vão ao cinema sempre que possam! Os fãs do Crepúsculo têm sido caluniados por estarem acostumados a estarem sentados à chuva. Como na Alemanha ontem, estavam montes de pessoas sentadas no meio do nada, num dia horrível, à espera. As pessoas estão sempre a gritar e assim, mas se nos aproximarmos das pessoas, elas dão-nos livros. Uma vez alguém até me deu um livro do Lawrence Ferlinghetti. Elas dão-nos montes de coisas diferentes, e não é como se nos estivessem a dar ursos de peluche. As pessoas, por alguma razão, têm um tipo de… [faz uma pausa] não sei. O Crepúsculo atraiu um espectro de pessoas muito amplo, e elas foram todas postas no mesmo saco porque é muito mais fácil criar uma imagem de pessoas que nunca param de gritar. É um espectro de pessoas bastante curioso. Muitas das pessoas que vão às premières na Europa, já viram o filme quatro ou cinco vezes, e têm críticas bastante interessantes dele.
Cronenberg: E muitas dessas raparigas nessas filas tinham cópias do Cosmopolis, e pediam-nos para que as assinássemos. E já os tinham lido ou então pretendiam fazê-lo. Os websites que eram feitos pelas raparigas, pelas raparigas mais novas, pelos fãs do Crepúsculo, enquanto nós estávamos a gravar, já tinham lido o livro – e ainda assim continuavam entusiasmados com o filme. Alguns dos websites eram fantásticos, muito sofisticados. Ok, talvez até agora só tivessem lido o Harry Potter e o Crepúsculo – mas agora estão a ler o Don DeLillo! O que é que há de mau nisso?
O que é que se segue para cada um de vocês? Vocês os dois supostamente vão trabalhar novamente juntos em Map To The Stars, a adaptação de As She Climbed Across the Table, de Jonathan Lethem. Isso já foi confirmado, certo?
Cronenberg: Já foi? Onde é que arranjaram o orçamento? Conseguiram arranjar o dinheiro [risos]?
Pattinson: Provavelmente sabem melhor que eu! Eu quero fazê-lo. Vou começar a tentar arranjar o orçamento.
Cronenberg: Já houve algum interesse no filme, de facto; ao falar nele, por estranho que pareça, já conta. É um guião brilhante de um amigo meu, Bruce Wagner – ele escreveu o guião há algum tempo e tentou que fosse para a frente há cinco anos atrás mas não consegui fazer o filme. É um daqueles guiões fantásticos. De certa forma, assemelha-se ao Cosmopolis – não é fácil. É provocante de forma indecente e perturbadora e têm um sentimento, mas é um sentimento estranho, tal como o Cosmopolis. No final do filme, Cosmopolis é estranhamente triste e emotivo, e assusta-nos, porque nunca pensámos que poderia acabar daquela maneira, e foi também por isso que o livro me atraiu. É difícil fazer filmes difíceis, mesmo quando temos actores incríveis que trazem imensa motivação – o Viggo Mortensen quer fazer outro personagem em Map To The Stars – e com esses actores poderíamos pensar, «Hey, conseguir cinquenta milhões não é problema,» mas não é bem assim.