VII
Os dois continuaram a encarar-se cerca de 2 minutos, sem se mexerem.
- O que é? – Perguntou, finalmente, Gavin.
Edward resfolegou soltando um pequeno sorriso, virou-lhe costas e seguiu na minha direcção. Gavin ficou pasmado, no mesmo sítio, a olhar para o homem que se afastava dele.
- Esquisitóide. – Disse antes de sair pelas portas da cantina.
- O que foi aquilo? – Perguntei ao meu pai quando ele se aproximou o suficiente para que mais ninguém ouvisse a conversa.
Edward encarou-me durante um tempo, enquanto caminhávamos para o sítio de servir a comida, antes de responder.
- Nada com que te devas preocupar. – Sorriu. O que aparentava ser um sorriso descontraído, mas um canto da boca estava demasiado tenso.
Metemos num tabuleiro um prato de massa à bolanhesa, um copo de água, um pão e um bolo de chocolate. Edward dispensou o dele. Dirigimo-nos para a mesa onde se encontravam Jane e Cole. Eles tiraram os livros e mochilas de cima da mesa para dar espaço a que nos sentássemos. Jane pareceu bastante surpresa ao ver Edward sentar-se ao meu lado.
- Olá. – Disse ela para ele.
- Olá Jane. – Respondeu Edward.
- Oh meu deus, ele sabe o meu nome. – Disse num sussurro como se fosse um pensamento que saiu em voz alta.
- O Edward almoça connosco, se não se importarem. – Achei por bem que deveria dizer qualquer coisa por ele se ter sentado na nossa mesa.
- Edward? Pensei que te chamasses Keith. – Cole franziu uma sobrancelha.
«Oh não. Esqueci-me que ele era conhecido por Keith na faculdade.». Senti um frio de nervosismo na barriga.
- Edward é o meu primeiro nome. Os meus pais eram grandes fãs do Edward Heath1, mas a minha mãe nunca gostou de Heath. Então ficou Keith. Edward Keith. – Respondeu Edward muito calmamente. – Prefiro Keith. (1 – Edward Heath foi um político Britânico do Partido Conservador e Primeiro Ministro do Reino Unido de 1970 a 1974.)
Cole exclamou com admiração, mas via-se pela cara dele que não fazia a mínima ideia de quem era Edward Heath. Sorri perante a confusão na sua cara e satisfeita por o meu pai me salvar desta situação. Durante toda a refeição Jane manteve-se silenciosa, observando, mudando constantemente o olhar de mim para o Edward e vice-versa. Ele acabou por mordiscar o meu pão, desfazendo o máximo que pôde com os dedos antes de meter os pedaços que partia à boca. Cole falava alegremente com ele. Acabada a hora de almoço, cada um se dirigiu para a sua sala de aula. Apenas eu e Jane tínhamos aulas juntas.
Entramos na sala e sentamo-nos lado a lado. Ela continuava silenciosa e muitas vezes a encontrava de sobrolho franzido, como se algo a perturbasse. Instalamo-nos o mais confortavelmente possível nas cadeiras de plástico desconfortáveis e tiramos os cadernos das carteiras.
- O que é que se passa Jane? Desde a hora de almoço que estás bastante calada.
- Ãh? – Jane pareceu acordar com o som da minha voz. – Estava aqui a pensar…
- E a pensar em quê? – Sorri. Vindo dela iria dar asneira.
- Já reparaste que tu e o Keith são bastante parecidos? – Os seus olhos apanharam os meus. Instintivamente desviei o olhar.
- Achas? – Sarrabisquei um dos cantos do caderno.
- Como é que te tornaste tão próxima dele? Quer dizer, vocês falaram apenas algumas vezes nos corredores, mas nada de mais. Pelo menos, que eu visse. – Continuou ela, sempre à procura do meu olhar.
- Encontrei-o uma vez num café enquanto lanchava e começamos a falar. Ele não mora muito longe de mim e por isso esbarramos algumas vezes. – Sorri tentando ser convincente. Se Jane acreditou eu não sabia, mas o seu sobrolho continuava franzido.
- Reparei que vocês são mesmo parecidos. Em termos de estrutura da cara, o formato dos olhos e até a maneira como se movimentam. – Coçou distraidamente o nariz. Ela fazia sempre isto quando andava intrigada e os seus pensamentos começavam a encaixar na cabeça.
- Deve ser apenas impressão tua Jane. Eu nunca o tinha visto na minha vida. – Esta última parte era verdade, ou quase. Já o tinha visto, quando nasci, mas não me lembrava dele. – Com tantas pessoas no Mundo não é de admirar que algumas tenham traços parecidos.
- Tu não és adoptada? – Os seus olhos esbugalharam subitamente.
- Hum…sim. Mas o que é que isso tem a haver?
- É isso. Summer… - Com a excitação Jane debruçou-se tanto na cadeira que estava quase em pé. - …e se o facto de vocês serem tão parecidos não for mero acaso? E se ele…e se ele for filho dos teus pais verdadeiros? Ou algo assim parecido.
O meu estômago revirou-se duas ou três vezes. «Bolas.».
- Estás a delirar, Jane. Andas a ver filmes a mais. – Tentei manter a calma, mas a minha voz tremia denunciando o meu nervosismo.
- É isso. – Agora ela falava para si própria. – Ele pode ser teu irmão. Oh, imagina só ao fim de vinte anos encontrares a tua verdadeira família. Não seria bom Summer? – Ela quase dava pulinhos no lugar.
Nada do que eu dissesse iria demover Jane da sua disparatada ideia. Se bem a conhecia, iria tentar descobrir a verdade, por isso só havia uma maneira de a demover.
- Jane pára com isso. – Comecei por dizer, alterando a minha voz para um tom irritado.
- Oh, va lá Summer. Imagino o quão fantástico seria conheceres os teus pais.
- Eu não quero conhecê-los. Não quero saber da minha família verdadeira. Estou muito bem como estou e não quero saber de mais nada. – Arrumei as minhas coisas com brusquidão e saí porta fora, ignorando os chamamentos de Jane.
Assim que saí para o corredor comecei a andar normalmente. A única maneira dela esquecer qualquer ideia era mostrar um ar zangado e/ou incomodado com a ideia. Queria que ela pensasse que ao tentar descobrir coisas me iria estar a prejudicar e não a ajudar. Dirigi-me para o exterior da universidade. A minha intenção era apanhar um pouco de ar, mas fui detida por alguém que chamou o meu nome antes de abrir as portas. Assim que me virei vi o meu pai andar com o passo acelerado na minha direcção.
- O que estás aqui a fazer, não deverias estar nas aulas? – Perguntei-lhe.
Mas assim que Edward chegou perto de mim abraçou-me, apertando-me forte nos seus braços.
- Ouvi a tua conversa com a Jane. Está tudo bem? – Afastou-se apenas o suficiente para poder olhar-me nos olhos, sem nunca largar os meus ombros.
- Está tudo bem, a sério Edward. Apenas fingi estar zangada com ela para que parasse com a ideia de investigar alguma coisa. – Pousei uma mão no seu antebraço.
- Não sei se conseguiste! – Ele torceu um pouco a boca. – Ela parece-me bastante dicidida.
Suspirei audivelmente. Alguém atrás de mim parou e tossiu. Olhei para trás para ver quem era e fiquei atónita.
- O que é que tu queres Gavin? – Perguntei incomodada.
Ele colocou-se numa posse descontraída, encostando o ombro esquerdo à parede e metendo as mãos aos bolsos do casaco de motoqueiro.
- Bem, pensei que, já que decidiste dar folga à aula e saíste tão apressadamente, podíamos tratar do trabalho de Metodologia de Investigação. – Esboçou o seu sorriso de convencido.
- Não me apetece agora fazer traba…espera aí. Desde quando é que tens esta aula comigo? – Virei-me de frente para ele, encarando-o com o meu melhor olhar inquisidor.
- Desde que decidi mudar o horário. – Disse ele muito calmamente.
- Andas a espiar-me? – Franzi o sobrolho e dei um passo em frente na sua direcção.
Ele soltou uma gargalhada sonora que ecoou pelos corredores vazios.
- Que convencida. – Voltou a colocar o seu sorriso trocista. – Não cara linda. Por muito que quisesse não o ando a fazer.
Senti o meu pai dar uns passos à frente e sabia que tinha que o afastar dali o mais depressa possível.
- É Summer. E não quero fazer porra de trabalho nenhum agora…e muito menos contigo. – Quase gritei.
Agarrei o braço de Edward e puxei-o comigo, na direcção contrária de Gavin. Ainda assim, enquanto me afastava apressadamente, ouvi-o dizer.
- Não tens escolha miúda, os grupos estão formados.
***